Por José Lúcio Nascimento Júnior
É fácil de imaginar: tantos
crimes e horrores foram cometidos durante as guerras que essas facetas da
história guardam muitos tabus. Estes, no entanto, não se escondem
necessariamente onde são procurados.
(Marc Ferro. Os tabus da
História)
São com estas palavras que o historiador francês
Marc Ferro inicia seu capítulo sobre os tabus das guerras mundiais, em seu
livro Os tabus da História (FERRO,
2003). As guerras mundiais foram e ainda são temas que demandam inúmeras
pesquisas em todo o mundo, desde que tais eventos terminaram. Tais produções
tiveram diferentes características ao longo do tempo, seja por causa de novas
fontes encontradas, seja motivada pelas transformações na historiografia.
As duas guerras mundiais transformaram o modo de
vida da população européia assim como são marcos referenciais para múltiplos
estudos de diferentes espaços sociais. Estes conflitos mundiais da primeira
metade do século XX também expõem outra questão para o historiador do tempo
presente ou da História Contemporânea: Quando teria se iniciado o século XX?
Tal resposta pode ser dada de diferentes
maneiras, sendo escolhidos diferentes fatos ou marcos cronológicos. No entanto,
duas visões para este início de século se apresentam como relevantes. Estes são
os estudos sobre o século XX realizados pelo historiador Eric John Hobsbawm
(2005) e pelo filósofo e cientista político Emir Sader (2000). Cada um dos
estudiosos apresenta uma visão para o início do século.
Para Sader o fim do século XIX tem como marco
referencial a morte da rainha Vitória, rainha da Inglaterra, maior potencia de
tal século. Porém, ao contrário do historiador Eric Hobsbawm, Emir Sader percebe
como marco histórico para o início do século não o conflito mundial de 1914,
pois para este temos que:
“A limitação do século [XX]
ao período de 1914-91, como faz Hobsbawm, tem a vantagem de destacar mais
precisamente o espaço de tempo em que a oposição EUA/URSS personificou o
enfrentamento capitalismo/socialismo. Mas tempo como desvantagem de reduzir a
dimensão dessa polarização, que transcende a forma política especifica que
assumiu o socialismo (‘socialismo soviético’) e facilita as formulações liberais
que buscavam naturalizar o capitalismo a partir da última década do século XX”
(SADER: 2000, 10).
Assim, o século XX, para Sader inicia-se com as
disputas imperialistas no limiar do século XX. Como ponto de partida destaca a
Guerra dos Boxes na China e dos Bôeres na África do Sul. Tais eventos destacam
o conflito de interesses das potências imperialistas. O final do século XIX e
início do século XX, para este cientista político ligam-se ao fim da hegemonia
britânica, que rendeu ao século XIX um período conhecido como Pax Britânica.
Além disso, para Emir Sader o século XX é o
século do Imperialismo. Para tanto este se vale da análise de Lênin, em Imperialismo: fase superior do capitalismo,
para observar este início de século. De acordo com Lênin o imperialismo tem
como características:
1)
“Concentração da produção e do capital atingindo um grau de
desenvolvimento tão elevado que origina monopólios, cujo papel é decorativo na
vida econômica;
2)
Fusão do capital bancário com o industrial, e a criação, com base
nesse ‘capital financeiro’, de uma oligarquia financeira;
3)
Diferentemente das exportações de mercadorias, a exportação de
capitais assume uma importância muito particular;
4)
Formação de uniões internacionais monopolistas de capitais que
partilham o mundo entre si;
5)
E, termo da partilha territorial do globo entre as maiores
potências capitalistas” (LENIN. Apud. SADER:
2000, 28).
A partir daí, Sader busca demonstrar que este
século é marcado pelas disputas entre as potências imperialistas.
O historiador Eric John Hobsbawm produziu uma
série de quarto livros, onde este busca analisar a história contemporânea. Nesta
coletânea, Hobsbawm buscar analisar as linhas gera que conduz a história
ocidental, em especial a história européia, do final do século XVIII ao final
do século XX. No último livro da série, em Era
dos Extremos, este historiador egípcio radicado em Londres, utiliza como
marco inicial para século XX a Grande Guerra, pois, como defende no terceiro
livro da série, intitulado Era dos
Impérios, o período que vai da unificação alemã até o início da primeira
guerra mundial é marcado por uma paz em solo europeu (HOBSBAWM: 1998; HOBSBAWM,
2005). Os conflitos que Sader coloca como marco para o início do século XX,
para Hobsbawm compõem, na verdade, a busca pela ampliação dos Impérios europeus
e não europeus já existentes (como o francês ou britânico) ou que se formaram
no século XIX (como é o caso da Alemanha, que uma vez unificada em 1871,
Bismarck conclama o II Reich, apenas para exemplificar).
Assim rechaçamos a idéia de Sader de que o
século XX teria como seu marco inicial os conflitos na China e na África do Sul
e, assim, como Hobsbawm, percebemos o início do século XX com o advento da
Grande Guerra em 1914.
Por fim, a história do Tempo Presente, como bem
coloca a historiografia que se dedica ao estudo epistemológico e a escrita dos
trabalhos históricos, tem suas fronteiras móveis. Uma vez que os anos passam, o
marco inicial se modifica para delimitar onde começaria este campo de análise,
que para alguns se confunde com a história contemporânea.
Bibliografia
BURKE, Peter. A escrita da História. SP: UNESP, 2002.
FERRO, Marc. Os tabus da História. A face oculta dos
acontecimentos que mudaram o mundo. RJ:
Ediouro, 2003.
HOBSBAWM, Eric John. Era dos Extremos: O breve século XX (1914 –
1991). SP: Companhia das Letras,
2005.
_________. Era dos Impérios (1875-1914) RJ: Paz e
Terra, 1998
_________. Sobre
História. SP: Companhia das Letras, 2002
HUNT, Lynn. A nova História Cultural. SP: Martins
Fontes.
SADER, Emir. Século XX: uma biografia não autorizada (O
século do Imperialismo). SP:
Fundação Perseu Abramo, 2000
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