Por José Lúcio Nascimento Júnior
Nas linhas subseqüentes faremos uma síntese da análise de alguns
historiadores sobre a Primeira Guerra mundial, enfatizando as continuidades e
rupturas na análise. A escolha da ordem de apresentação dos pesquisadores
seguiu apenas a escolha por data de publicação. Iniciaremos com Eric Hobsbawm,
seguindo com Márcia Motta, depois Luiz de Araribe e, por fim, Emir Sader.
Iniciemos as apresentações.
1.1
Hobsbawm e a Guerra Total
Para analisarmos a Grande Guerra nos textos de Hobsbawm temos que
nos concentrar basicamente um dois capítulos,
A Guerra total, que se encontra no livro Era dos Extremos, e Da Paz a
Guerra, que se encontram em seu livro A
era dos Extremos. No segundo texto, o historiador egípcio faz uma análise
das causas da guerra, apresentando não a causa próximo ou estopim para a
guerra, mas os motivos que estavam gestando o conflito mundial de 1914.
Se a paz foi que predominou no período compreendido entre 1871 a
1914, neste mesmo período já era gestada a guerra. Para sustentar este
argumento, Hobsbawm destaca a corrida armamentista empreendida neste período.
Cada governo busca ter um armamento melhor que o de seu rival, a indústria de
armas além de produzir incentivava os governos a buscarem cada vez mais armas
com tecnologia de ponta. Como coloca Eric Hobsbawm, a indústria bélica tinha
nos Estados seus principais compradores.
Os governantes dos Estados
Nacionais europeus além de buscar armas cada vez mais modernas executavam
políticas que incentivavam a formação do nacionalismo. Dois exemplos desse
fenômeno para Hobsbawm estariam representados tanto pelo serviço militar quanto
pela escola primária. O que o leva a perceber o quanto era complexo para os governantes
utilizarem os exércitos nacionais em seus próprios territórios, o que, por sua
vê, não excluía a utilização do mesmo.
Outro ponto que este historiador valoriza para a compreensão dos
motivos geradores da Primeira Guerra Mundial consiste em perceber a influencia
dos conflitos coloniais. Sobre as origens da Grande Guerra Hobsbawm coloca que:
“Portanto, descobrir as origens da Primeira Guerra Mundial não
equivale a descobrir “o agressor”. Ele repousa na natureza de uma situação
internacional em processo de deteriorização progressiva, que escapava cada vez
mais do controle dos governos. Gradualmente a Europa foi se dividindo em blocos
opostos de grandes nações. Tais blocos, fora de guerra, eram novos em si mesmo
e derivam, essencialmente, do surgimento no cenário europeu de um Império
Alemão unificado, constituído entre 1864-1871 por maio da diplomacia e da
guerra, à custa dos outros, e procurava se proteger contra seu principal
perdedor, a França, através de alianças em tempo de paz, que geraram contra-alianças.
As alianças, em si, embora implicassem a possibilidade da guerra, não tornavam
nem certa nem mesmo provável. [...] um sistema de blocos de nações só se tornou
um perigo para a paz quando as alianças opostas se consolidaram como
permanentes, mas especialmente quando as disputas entre eles se transformaram
em confrontos inadministraveis (HOBSBAWM: 1998, 431).
Tais alianças são mais bem compreendidas quando levamos em
consideração o sistema de equilíbrio de poder que margeava as relações
internacionais dos potencias européias. As alianças que se constituíram apenas
foram possíveis porque não colocava a plena superioridade de um dos lados, ou
seja, não era uma aliança de potencias que seriam imbatíveis. Quando a
Inglaterra realiza as alianças com a França e com a Rússia, temos que recordar
que a Rússia acabara de perder uma guerra para o Japão e a frança havia perdido
o conflito de 1870 para a Alemanha e ambas não tinham condições de disputar o
posto de maior potencia européia, coisa que a Alemanha já vinha sinalizando que
buscava.
As rivalidades dos países que formavam as alianças não eram apenas
por espaços na Europa, mas por espaços globais. Tais rivalidades explicam, por
exemplo, a alianças entre países europeus e potencias não-européias, como fica
exemplificado nas alianças entre Inglaterra e Japão em 1902. Tal fenômeno de
expansão para este historiador relaciona-se ao fato de “se os estados (sic)
pudessem definir seus objetivos diplomáticos com precisão tanto o cálculo
quanto o acordo seriam possíveis. Mas nenhuma das duas excluía o conflito
militar controlado” (HOBSBAWM: 1998, 439). Assim, seria as ações de Guilherme
II, novo imperador do II Reich alemão, que nos auxilia a compreender como os
conflitos controlados deram lugar a um conflito total.
A rivalidade entre Alemanha e Inglaterra aumentaria quando a
primeira nação resolvera ampliar sua esquadra para se colocar como uma grande
potência. Tal busca relacionada com os conflitos coloniais que aguçavam os
ânimos da diplomacia européia. Assim, quando do assassinato do príncipe
austríaco e do apoio incondicional da Alemanha a Áustria, o sistema de alianças
dera fruto a um conflito militar generalizado na Europa.
Porém, olhar para a primeira guerra mundial a partir de Hobsbawm é
analisar parte do que para ele é um único conflito. Para este historiador as
duas Guerras Mundiais, na verdade, são um único conflito. Pois, se os conflitos
do século XIX eram medidos em semanas ou meses, a Guerra Total, como este
historiador chama o conjunto dos dois conflitos, marca o período das guerras
contadas em anos. A guerra total também impressiona, segundo ele, no numero de
mortos. A questão era salvar a vida dos soldados nacionais era mais importante
que a vida dos habitantes dos outros países. Outra característica deste
conflito seria a utilização de diferentes tecnologias para buscar a vitoria no
conflito. O desenvolvimento do submarino levou a nova característica de guerra:
marta o inimigo de fome.
Um fator relevante em seu texto, a Guerra Total, consiste na
análise da das duas frentes de guerra, não apenas a analise da frente ocidental
que consiste na marca da maioria dos textos. Porém, a atenção maior esta
voltada para Frente Ocidental. Este fator liga-se ao fato de buscar apresentar
como as potencias buscavam a vitória total, fazendo que este conflito tivesse
um custo humano muito grande. O que levou também a derrotas totais. Segundo
Hobsbawm temos que:
“As potencias centrais não apenas admitiram a derrota, mas
desmoronaram. A revolução varreu o sudeste e o centro da Europa no outono de
1918, como varrera a Rússia em 1917. Nenhum dos velhos governos ficaram de pé
entre as fronteiras da França e o mar do Japão” (HOBSBAWM: 2005, 37).
Para a derrota dos países centrais, contudo, este reconhece que a
entrada dos EUA em 1917 foi de fundamental importância, uma vez que a Alemanha
venceu a Frente Oriental. Na frente Oriental a Alemanha mantinha destaque; a
Rússia estava em posição de defesa e, Sérvia e Romênia não conseguiram segurar
o ataque alemão. Após a vitória na Frente Oriental em1917 a Alemanha
dedicar-se-ia apenas a Frente Ocidental, onde apenas conheceria a derrota em
1918 após a entrada dos estadunidenses.
A guerra chegaria ao fim com a assinatura do tratado de Versalhes
onde a Alemanha seria considerada a responsável pela guerra, mas, como defende
Hobsbawm, esta foi guerra não por um país em especial, mas pela situação em que
se encontrava a Europa no inicio do século XX.
1.2
Márcia Motta e Grande Guerra
O artigo da historiadora carioca Márcia Maria Mendes Motta, professora
da Universidade Federal Fluminense, faz parte de uma coletânea de artigos
reunidos nos três volumes da coleção o século XX organizado pelos professores,
também da UFF, Daniel Aarão Reis Filho, Jorge Luiz Ferreira e Celeste Zenha. O
artigo intitulado A Primeira Grande
Guerra (MOTTA: 2000) que está no volume um desta coleção.
Em seu artigo a presente historiadora buscou apresentar uma visão
geral sobre o assunto. Para tanto seus argumentos estão embasados em textos
(livros) de diferentes autores de diversas nacionalidades, tais como Eric
Hobsbawm (que apresentamos sua visão acima), René Remond, Antoine Prost e
Gérard Vincent, entre outros.
De acordo com Márcia Motta a Primeira Guerra Mundial seria o
conflito de uma guerra imperialista entre quatro países: França, Inglaterra,
Rússia e Alemanha. Esta historiadora vai buscar a origem dos conflitos na
industrialização que ocorreu nos países europeus ao longo do século XIX. Além
disso, no decurso da Belle époque
(1870-1914) não podemos esquecer o período de Paz Armada e o sistema de
alianças realizadas neste período. Sobre as alianças, destaca que estas
acompanhavam os diferentes interesses das nações.
Como fonte do nacionalismo esta historiadora destaca o serviço
militar obrigatório. Para ela, a junção história mundial mais nacionalismo
gerava a idéia de uma nação forte, o que explica o fato de as nações
acreditarem que sairiam vencedoras da guerra em um curto espaço de tempo. Sobre
a guerra, ou melhor, sobre o conflito esta historiadora destaca a vitória da
Alemanha até a entrada dos EUA em 1917 e a saída Rússia motivada pela revolução
outubro de 1917. O fim da guerra se deu com assinatura do armistício em 1918.
Outro ponto alto de seu texto consiste na análise das
transformações tecnológicas da indústria bélica e as transformações na
sociedade. A saída das mulheres para o mercado de trabalho em decorrência da
participação de homens pertencentes à população economicamente ativa. Além da
destruição do abastecimento para o inimigo através do afundamento de navios por
submarinos.
Sobre a tecnologia de guerra, Márcia Motta destaca a inovação da
utilização das trincheiras que de uma solução temporária passou a ser a forma
mais utilizada entre 1914 -1918. Sobre as tecnologias destaca também o
desenvolvimento e utilização dos carros tanques, do gás e aeronaves. Além
disso, a guerra transformava as hierarquias sociais.
Seu texto termina com a análise dos tratados de paz. O primeiro
que a historiadora ressalta é o acordo entre Rússia e Alemanha que garantiu a
saída da primeira da guerra. Destaca que os estadunidenses tinham buscavam a
paz por acordos onde não houvesse vencedores, porém no tratado de Versalhes
percebeu0se que os interesses da Inglaterra e da frança foram maior que a
vontade dos EUA em garantir a paz sem vencedores.
Por fim, esta historiadora conclui que as conseqüências da
primeira guerra foram mais que os acordos de paz. Com esta historiadora destaca
“os anos posteriores à Primeira Guerra Mundial iriam mostrar que ela não
terminara. As rivalidades continuariam, o desejo de revanche também. A segunda
guerra não tardaria a acontecer” (MOTTA: 2000, 251).
1.3
Luiz de Alencar Araripe: uma História Militar da
Guerra.
O livro organizado por Demétrio Magnoli, intitulado História das Guerras, tem no artigo do
historiador militar Luiz de Alencar Araripe, de nome Primeira Guerra Mundial, a análise do conflito mundial ocorrido
entre 1914 -1918 (ARARIPE: s/d). Para Alencar a Primeira Guerra pôs fim ao
período conhecido como Belle Époque.
Durante o período da belle époque vários
acordos foram firmados entre as nações européias. Estes acordos estão ligados a
emergência da Alemanha como potência e ameaçando a supremacia da Inglaterra.
Se o conflito é entre potências imperiais, o império Turco-otomano
é visto como o “homem doente da Europa”. Seus territórios são cobiçados pelas
diferentes potências por serem estratégicos no cenário europeu do inicio do
século XX. Além disso, as alianças são de fundamental relevância para se
compreender a Primeira Guerra Mundial.
Porém, um ponto alto do texto é a análise da relação entre a
industrialização, ou melhor, os avanços tecnológicos da industrialização com as
relações características da guerra no século XX. Este destaca o surgimento de
diferentes tecnologias para auxiliar os planos de guerra. Dentro das inovações
tecnológicas o autor ressalta a construção de planos para garantir a vitória
rápida na batalha, tal como o plano desenvolvido pelos alemães para derrotar
rápido seus oponentes. Este era o plano Schlieffen.
Sobre o contexto da guerra, Araripe destaca que houve dois teatros
de guerra. O teatro (ou frente) Ocidental e a Oriental. Este ressalta que a
frente ocidental que ele vai analisar com mais atenção, mesmo correndo o risco
de ter um texto “afrancesado”. A batalha na frente ocidental pode ser dividida,
em sua visão, em dois momentos: a fase de movimento, e as Guerras de posição e
batalha final.
Para a primeira fase este destaca as vitórias da Alemanha e a
resistência de seus oponentes. A não invasão de Paris como previa o plano Schlieffen
pois fim ao mesmo e ao fim da primeira fase. Assim como o fato de a frança
utilizar de forma melhor a propaganda, seja a seu favor, seja contra os
alemães. Já os alemães que eram bons militares eram péssimos propagandistas.
Na segunda fase, as trincheiras foram às principais
características. As trincheiras tinham duas funções a de patrulhar e obter
informações, e de incursão em território inimigo.
A modernização dos navios ingleses (passagem do carvão ao
petróleo) foi retardada pela de fonte de petróleo. A escassez que contribuiu
para que a Grã-Bretanha, em 1913 assinou um tratado com a Pérsia e em 1916
invadisse a Mesopotâmia em busca de petróleo. A segunda fase conhece seu fim
com os acordos de 1918 a 1919. Os acordos entre Rússia e Alemanha de 1918; e o
tratado de Versalhes de 1919.
Por fim, podemos observar que os diferentes historiadores ao
analisar o mesmo fato destacam fatores e eventos diferentes para construir sua
interpretação. Tal fenômeno nos mostra que o conhecimento histórico é complexo,
sendo necessário observar diferentes matrizes teóricas para a melhor
compreensão de algum evento histórico.
Bibliografia
ARARIPE, Luiz de Alencar. Primeira Guerra
Mundial. in.: MAGNOLI, Demétrio. Histórias
das Guerras. p. 319-354.
BURKE, Peter. A Escrita da História. SP: UNESP, 2002.
HOBSBAWM,
Eric John. Era dos Extremos: O breve século XX (1914 – 1991). SP: Companhia das Letras, 2005.
_________. Era
das revoluções (1780 – 1848) RJ: Paz e Terra.
_________. Era
dos Capitais (1848 – 1875) RJ: Paz e Terra.
_________. Era
dos Impérios (1875-1914) RJ: Paz e Terra, 1998
_________. Nações
e nacionalismo desde 1780. RJ: Paz e Terra.
_________.
Sobre História. SP: Companhia das Letras, 2002
MOTTA, Márcia Maria Mendes. A primeira Grande
Guerra. in: REIS FILHO, Daniel Aarão; FERREIRA, Jorge Luiz; e ZENHA, Celeste
(orgs.) O século XX: da formação do
capitalismo à primeira grande guerra.RJ: Civilização Brasileira, 2000, p.
231-251.